Livros digitais podem ser mais baratos que livros impressos. Mas também podem custar muito mais.

Uma parcela do mercado editorial brasileiro e muitos consumidores de livros acreditam que seja obrigatório que o preço final do e-book ou livro digital seja menor do que o livro impresso. Isto nem sempre  é verdade e, não deveria, a priori ser o fator determinante para a produção ou para a compra do livro digital. Neste post, abordaremos três tipos de livros, analisando sua produção e comentando sobre seu provável preço final.

Primeiro, imaginemos o caso de um livro de ficção que consiste somente em texto, sem recursos gráficos (mudança de tipografia, realces, filetes etc) relevantes. Durante a produção deste e-book, o texto passa pela preparação de originais e revisão, da mesma forma que é feita no livro impresso. É, então, convertido em um arquivo (normalmente .epub ou .mobi) por via programática. Há a ideia de que esta “transformação” é automática, mas, apesar de não haver oficialmente uma “paginação” como no livro impresso, a editora não se isenta da necessidade de ter um designer-programador responsável pela programação e pela qualidade do trabalho final. A revisão deste livro digital também é obrigatória, e feita em separado da versão impressa, uma vez que podem ocorrer erros durante a conversão que podem comprometer a qualidade e a fruição do conteúdo pelo leitor.

Se compararmos a produção deste tipo de e-book a um livro impresso, o único fator a gerar redução de custos é a inexistência de gastos com insumos (papel e tinta), impressão e transporte.

A distribuição, ainda que digital, via de regra, continua a ser feita por intermediários e continua gera custo. No livro digital há também a necessidade de aquisição do Digital Rights Management <(DRM), tecnologia que dificulta a pirataria da obra e que pode custar bastante caro.

No caso acima, o custo de produção do livro digital e, consequentemente, seu preço poderia sair um pouco mais barato do que um livro impresso.

Ama livros?

O Nespe vários oferece cursos para quem quer trabalhar com livros.
Conheça nossos cursos

Agora pensemos no caso de um livro texto um pouco mais complexo. Tabelas, gráficos e imagens devem ser adaptados para que possam ser visualizados corretamente na tela — e, do smartphone ao Kindle, do tablet ao computador, há uma infinidade delas. Cada sistema operacional, aplicativo e suporte utilizado pelo leitor suporta e requer tipos de arquivos e programações diferentes. Designers e programadores optam pelos formatos mais usados, mas ainda assim há muito teste e muita revisão. Há muito de automático, mas não há nada como o olho humano para entregar um trabalho de qualidade. Um rápido exemplo seria o Lev e alguns modelos do Kindle, que não suportam imagens a cores. Por isso, deve-se checar as imagens uma a uma para ver se a transformação automática em preto e branco feita pelo dispositivo não compromete o entendimento da ilustração.
 
 

exemplo de conversão automática de cor para preto e branco impedindo o entendimento do gráfico
Figura: Exemplo de conversão automática de cor para preto e branco impedindo o entendimento do gráfico.

 
 
Nesta segunda situação, apesar de não haver custos de impressão, o livro digital passa a requerer equipe especializada, além do acréscimo de etapas para adequação e teste do material.

Mas pensemos em um terceiro livro, partindo da premissa de que o ponto enaltecedor de se oferecer um livro digital ao público é a oportunidade de se oferecer recursos e experiências que não seriam possíveis na versão impressa: áudios, vídeos, elementos interativos etc. É o livro sobre instrumentos musicais que inclui o som do instrumento, o livro que inclui animações interativas que ajudam a entender o ponto explicado, o livro de anatomia que deixa o leitor manipular um órgão em três dimensões com seus dedos e observá-lo de todos os lados. Estes recursos são diferenciais que auxiliam no aprendizado ou simplesmente enriquecem a experiência do usuário, podendo atrair outros tipos de leitores.

Neste caso, nos referimos a livros que se assemelham aos aplicativos para tablets e smartphone, que se enquadram na definição de enhanced books ou app books. Estes livros digitais requerem que toda a sua produção, desde sua concepção, seja pensada para atingir tal objetivo. A programação inclui programação e adaptação para sistemas operacionais (daí alguns livros serem lançados somente para iOS ou Android), adaptações especiais para tamanhos de tela (daí alguns app books serem disponíveis somente para tablet) etc.

Seu custo será, provavelmente, mais alto que a sua versão impressa — se houver versão impressa — pois requer uma equipe especializada e um projeto dedicado ao mundo digital.

Há aqueles que se perguntam porque tantos aplicativos para smartphone são gratuitos ou custam menos que um livro. Estes desenvolvedores estão contando com a monetização de seu trabalho feito por duas vias principais.

A primeira via é a inclusão de publicidade durante o uso do aplicativo, que garante certa renda desde que o aplicativo seja interessante o suficiente para que o usuário o utilize constantemente. O uso de publicidade ao longo da leitura parece bastante rejeitável pelo leitor, e o uso de um livro, salvo livros de consulta, é geralmente reduzido ao tempo de uma leitura.

A segunda via utilizada para o barateamento de aplicativos é a economia de escala. O custo com o desenvolvimento do app é fixo, portanto, o desenvolvedor espera que milhares ou milhões de pessoas baixem e utilizem seu aplicativo. Uma das primeiras providências é, por exemplo, a tradução de um app em várias línguas. É bastante difícil assumir que um app book será baixado por milhares de pessoas. Sua tradução também é mais problemática, pois livros geralmente contêm uma quantidade de texto bem maior do que a de um aplicativo, sem mencionar os aspectos legais que envolvem a tradução de uma obra literária. Apesar de podermos contar com certa economia de escala — o preço de produção de um app book será o mesmo, vendendo-se quinhentos ou apenas um exemplar — ainda temos os custos de distribuição e DRM, que muitas vezes é cobrado por unidade.

Portanto, podemos concluir que a sensação geral de que um livro digital deve ser obrigatoriamente mais barato do que a sua versão impressa não corresponde à realidade. Há que se pesar vários fatores na hora de determinar sua produção e seu preço final. Há também, no mercado editorial, a necessidade de educar o público consumidor de livros no que tange aos benefícios do livro digital — que são muitos, como veremos em um próximo post.

Ama livros?

O Nespe vários oferece cursos para quem quer trabalhar com livros.
Conheça nossos cursos