Para muitas grandes editoras no cenário internacional, o audiolivro é uma aposta importante. O formato vive um momento positivo desde 2017. No Brasil, há algumas plataformas que oferecem audiolivros para os consumidores brasileiros. Uma delas é a sueca Storytel, dirigida no país por André Palme. Ele é o entrevistado da semana do nosso Happy Hour Nespe. Na conversa, ele fala dos desafios que muitos editores encontram e como contorná-los. Faz também um panorama atual do mercado de livros em formato de áudio e sobre as possibilidades que a inteligência artificial pode oferecer na produção de audiolivros.

O André será professor do curso sobre audiolivros que estará na grade de programação do Nespe no segundo semestre. Fique ligado!

Happy Hour Nespe – A chegada da Storytel no Brasil, em 2018, foi um marco para o desenvolvimento do audiolivro no Brasil. Passados estes quase quatro anos, que avaliação você faz da plataforma no país?

André Palme – Muita coisa mudou, para melhor. Quando desembarcamos por aqui ainda era muito escassa a oferta de conteúdos e de mão-de-obra. Eu me lembro que praticamente tínhamos que caçar estúdios, narradores e profissionais de áudio para nossas produções. Hoje em dia, não só a indústria cresceu e está se profissionalizando, como existe uma demanda e uma oferta constante para e de profissionais, não apenas na produção propriamente dita, mas na criação de conteúdos para áudio, na divulgação e na comercialização.

Do lado do consumidor, as pessoas estão descobrindo, a cada dia mais, o áudio como entretenimento e isso se reflete também em narrativas mais longas como os audiobooks. Na Storytel, por exemplo, somente entre janeiro e setembro de 2021, tivemos mais de 700 mil horas de consumo de conteúdos apenas de fantasia e sci-fi. Então temos um mercado com mais consumidores e com mais oferta de conteúdo disponível.

HH – Em outros países, como na própria Suécia, onde a Storytel nasceu, na Alemanha e nos EUA, por exemplo, o formato vive um boom desde 2017/2018. No Brasil, ele tem crescido de forma mais lenta. Faltam ações de marketing e propaganda para deixar o formato mais conhecido e gerar mais demanda?

AP – É preciso considerar algumas coisas: quando falamos de um crescimento lento, não estamos falando do consumo de conteúdo em áudio de uma maneira geral, vide o consumo de podcasts. O que acontece é que o audiobook ainda é visto como um produto absolutamente diferente do podcast, quando não verdade não é. Claro que existem nuances como a duração do conteúdo, a construção de narrativa e as paisagens sonoras, mas ambos são histórias para ouvir em diferentes formatos.

Mas justamente porque o audiobook (produto chave da Storytel) é uma narrativa mais longa, existe um processo de conhecimento e hábito do consumidor. Não acredito que faltem ações, temos uma dezena de plataformas operando áudio por aqui. A questão é sempre lembrar que estamos falando aqui da construção de um novo hábito, diferente de streamings de música e vídeo, que apesar de trazerem um modelo de negócios recente, oferecem um formato de conteúdo que já é velho conhecido dos consumidores. Construção de hábito sempre leva tempo.

HH – Um dos principais entraves para que editoras brasileiras invistam no formato de audiolivro é a produção, que é muito cara. Você poderia falar, em linhas gerais, quais são esses custos?

AP – Sim, a produção de conteúdos em áudio é mais cara que o e-book por exemplo, mas uma vez produzido, não existem limites de cópias. Diferente de um livro impresso, em que, a cada sucesso, você tem novamente um custo (de impressão majoritariamente), no caso do conteúdo digital não, e isso precisa ser levado em conta. A cauda longa do áudio é muito mais barata do que o impresso por exemplo.

Quando falamos dos custos existentes e, considerando que o conteúdo já está pronto – o que isenta aqui os custos editoriais – temos três grupos de custos: pré-produção, produção e pós-produção. Em linhas gerais a pré-produção envolve todo processo de ajuste do conteúdo, casting de vozes e logística de gravação; a produção envolve principalmente os custos com a equipe de produção (técnico de som, engenheiro de estúdio, diretor artístico) e a voz e, a pós-produção envolve custos como edição de áudio, revisão e masterização, além de mais alguma eventual agenda com a voz para regravação de correções.

HH –  Há iniciativas para baratear um pouco esses custos? A inteligência artificial e a criação de vozes digitais pode ser um caminho pra isso?

AP – Existem sim iniciativas para automação de muitos processos, mas isso depende de cada estúdio, cada produtora e das plataformas (no caso das que produzem conteúdos). Já a criação de vozes digitais é um processo ainda em fase inicial de desenvolvimento. Já fizemos alguns testes e estas vozes IA funcionam para determinados conteúdos, mas nem sempre e ainda não são operacionais no meu ponto de vista. Mas, é claro que essa é uma barreira que pode, sendo efetivada, mudar muito a métrica de custos das produções em áudio no futuro.

Um outro elemento importante e que, no nosso caso ajudou muito durante a pandemia, foram os estúdios remotos e caseiros (não amadores) dos narradores. Vozes profissionais tem investido em criar estúdios em casa, o que permite uma economia por evitar deslocamentos e horas de estúdio e ao mesmo tempo amplia as possibilidades de trabalho com vozes sem limitações geográficas ou logísticas.

HH – Que dicas você daria para editoras que ainda não apostam no formato?

AP – A primeira dica é: fale com as plataformas. Se custo é seu entrave, saiba que grande parte das plataformas investe na produção dos áudios, representando um projeto com custo zero para a editora. Existem modelos de negócios diferentes aplicados por cada uma delas, mas o investimento nos custos de produção é denominador bem comum.

Outra dica é: entenda os modelos. Antes de dizer que o modelo x ou y não funciona ou você é contra, procure entender. Converse com quem já está, converse com as plataformas. Posso garantir que todas elas estão abertas a conversar e explicar seu modelo. Só não diga que não existe espaço para esta descoberta, porque isso não é verdade.

Por último, mas não menos importante: lembre-se que como editora você comercializa conteúdos, não formatos. Você é um vendedor de histórias, não de papel. Os modelos digitais multiplicam acesso, não subtraem leitores. Dê ao seu cliente a oportunidade de escolher como a história vai ser consumida.