Camila Cabete é uma autoridade quando o assunto é o livro digital no Brasil. Acumula experiências em diversos ambientes: numa distribuidora, em uma varejista e agora em uma plataforma de leitura. Além disso, é professora do curso livre de Produção de e-Books e da pós-graduação em Edição e Gestão Editorial aqui no Nespe.

Ela é a entrevistada da semana aqui no Happy Hour Nespe. Na conversa, ela faz um panorama do mercado digital; fala sobre a importância dos metadados e ainda da coexistência entre os formatos físico e digitais e sobre a pirataria.

Happy Hour Nespe – Você é uma pioneira quando o assunto é o livro digital no Brasil. Estava lá quando tudo era mato. Como você avalia a evolução do formato no Brasil?

Camila Cabete – É engraçada a sensação que tenho de tempo. Pra mim, em tudo o que envolve tecnologia, o tempo corre mais rápido. É tipo cinco anos em um, sabe? Eu acho que as coisas andaram rápido demais se levarmos em consideração o tamanho da resistência que o setor editorial sempre teve em relação ao digital. Infelizmente, até hoje, players do mercado não divulgam seus números e acho isso tão ultrapassado. É um desserviço ao mercado como um todo. Todas as pesquisas que vejo, pela minha vivência, refletem só um cheiro do real montante de vendas/leituras e empréstimos de livros digitais no Brasil. As formas de divulgação e distribuição também são diversas e as métricas precisam mudar, para mostrar o real cenário. Os resultados de varejo (na maioria das pesquisas) não são 10% do todo que está rolando no mundo do conteúdo digital.

HH – Na sua avaliação, por que não chegamos a patamares de países onde os formatos digitais estão mais maduros?

CC – Como falei anteriormente, nossa resistência (e me incluo porque faço parte do mercado editorial) sempre foi fenomenal. Uma ideia do problema: só lembrar do Fla x Flu que foi a guerra do impresso x digital. Partiram o mesmo produto em dois e os fizeram brigar. Foi tipo ver almas gêmeas guerreando. Nada de novidade num mercado muito tradicional. Não me entenda mal: eu amo o que eu faço e amo fazer parte do mercado editorial, por isso, ainda acredito em sua renovação e importância. Mas é uma luta diária. A cada nova modalidade de distribuição, inovação, é uma guerra a ser travada para que os personagens do mercado entendam. O pior de tudo é que quanto maior a resistência, maior a extinção. Inovar é questão de sobrevivência. Se fechar como em concha é suicídio. Isso tudo causa um atraso, mas eu vejo como uma maré sendo retida, tipo as barragens da Vale … uma hora ela cede, e aí é um arraso, no pior sentido da palavra.

HH – A pirataria era apontada por muitos editores como um empecilho para investir neste tipo de material. Isso já é página virada?

CC – Deveria ser página virada, assim como já é para música e audiovisual como um todo. Claro que devemos nos valer dos órgãos sempre que algo ilegal for identificado, mas de forma nenhuma deve servir de desculpa para não inovar. A indústria da música que o diga. O streaming veio resolvendo esse buraco deixado pela pirataria e as gravadoras e artistas abraçaram esta nova forma de distribuição. Refizeram os modelos, redesenharam seus parâmetros. Você já experimentou falar sobre modelos de streaming de livros com editoras e autores? Tenta e me fala o que vai escutar. Editoras estão ainda brigando com preços de capa, do impresso…

HH – Você é uma grande defensora dos metadados como grande motor de venda de conteúdos digitais. Nossos editores aprenderam a usar essa ferramenta?

CC – Ainda não… Ainda precisam de ajuda e uma certa pressão para darem atenção. Mas, hoje no mercado, temos novas empresas que podem cuidar disso pra todo mundo. Sinto falta de um profissional de análise de dados dentro das editoras. Alguém que saiba ler dados e traduzir em ações mais certeiras. Isso ia economizar um dinheirão e gerar ações mais inteligentes. Ainda vejo colocarem estagiário pra preencher planilha de metadado. A planilha de metadado, para se ter uma ideia é como o seu livro vai entrar numa loja, na prateleira da loja. É extremamente estratégica. E um estagiário está lá para aprender, não para traçar a estratégia digital de uma empresa.

HH – A coexistência entre formatos digitais e o impresso já se comprovaram. Há quem ainda debata o fim do livro impresso pelo crescimento dos formatos digitais?

CC – Eu cansei muito desse Fla x Flu. Nunca tive uma visão apocalíptica dos livros impressos. O que será preciso para entenderem que guerra não resolve nada e que competição é fruto do velho patriarcado??

HH –  Todo livro deveria existir também em formato e-book?

CC – Não…tem livro que é por si só o projeto gráfico. Mas a maioria dos livros deveriam sim existir em qualquer formato possível. Porque quem vai escolher o que ler, onde e como, é o leitor. E temos que produzir conteúdo com acessibilidade. Parar de elitizar o conhecimento.

 

HH –  Você hoje está trabalhando numa EdTech, a Árvore, que oferece a escolas – públicas e privadas – uma solução de leitura para estudantes. Lá você cuida especificamente da relação com as editoras. Como tem sido esse trabalho?

CC – Tem sido um maravilhoso mundo novo para mim. Um novo modelo de negócio, novas formas de acessibilidade, ajuda aos professores e profissionais de educação a se letrarem nesta tecnologia. Hoje sou gestora de uma área completa, que vê o negócio em todos os seus ângulos. Não conseguiria fazer isso tudo sozinha. Estou vivenciando finalmente o que sempre acreditei: uma equipe multidisciplinar para ajudar às editoras a chegarem a todos os lugares. Dados, operações, comunicação e merchandising andando lado a lado. Está sendo lindo. E vendo o livro digital entrar na vida das crianças, por onde o livro impresso entrou na minha, é realizador. A Camila de 8 anos estaria orgulhosa da de 43 anos.