Recentemente, a jornalista Maria Fernanda Rodrigues comemorou dez anos como titular da coluna Babel, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo e especializada na cobertura do mercado editorial. Ela é a entrevistada do Happy Hour Nespe nesta semana. Na conversa, ela traça um panorama do mercado editorial nesta última década: “Resumindo, é um mercado que vive seus altos e baixos, mas que não desiste porque acredita no que faz e sabe como a leitura pode ser transformadora”. Além disso, relembra momentos marcantes da sua trajetória profissional e conta como foi visitar uma feira internacional depois da retomada dos eventos presenciais, suspensos por conta da pandemia da covid-19.

 

Happy Hour Nespe – Você está há dez anos cobrindo literatura e mercado editorial pelo Estadão, fora os dois anos em que foi editora do PublishNews. Quais mudanças mais relevantes você viu acontecer no mercado editorial brasileiro neste período?

Maria Fernanda Rodrigues – Comecei a acompanhar o mercado editorial num momento de muita expectativa e animação. O livro digital estava prestes a desembarcar no Brasil e vi de perto os primeiros esforços de brasileiros em abrir este mercado e depois a chegada dos grandes players. Era também o tempo de grandes leilões e de busca de novos fenômenos comerciais. Houve alguns, como o Cinquenta tons de cinza e os livros de colorir. Os editores descobriram um novo público: os jovens adultos. Editoras cresceram, se organizaram em selos. Foram vendidas ou adquiriram outras menores. Fecharam, como foi o caso da Cosac Naify. Quando comecei a acompanhar, e passei a escrever sobre a pesquisa Produção e Venda, feita então pela Fipe, os números eram positivos e havia algum equilíbrio nas contas. A compra de livros para bibliotecas escolares, por parte do governo, era um fato importante. Mas a economia brasileira foi perdendo a força, a crise política se alastrou, os fenômenos editoriais foram rareando.

Na concorrência pelo tempo de lazer do leitor entraram Netflix e companhia, e o mercado editorial começou a caminhar para a recessão. Essa crise foi agravada pela dívida da Saraiva e da Cultura, e a recuperação judicial das duas importantes redes, ainda em curso e responsável pelo desaparecimento de quase todas as suas lojas do mapa, foi também uma mudança importante que acompanhei, e acompanho, com tristeza.

Não bastasse tudo isso, aconteceu o inimaginável: uma pandemia paralisou tudo – livrarias ficaram fechadas por um longo período, editoras desaceleram sua produção -, e só agora, dois anos depois, é que muitos negócios estão voltando ao patamar de antes do coronavírus. Mas acompanhei também recomeços e reinvenções. Vi um mercado querendo embarcar no audiolivro, querendo seguir com seu trabalho e assimilando, de alguma forma, o prejuízo causado pela Cultura e pela Saraiva.

Nesse tempo, vi outras livrarias, como a Leitura, a Vila e a Curitiba, ora avançando nos shoppings de São Paulo, ora abrindo lojas longe dos grandes centros. E a Travessa chegando a São Paulo. Acompanhei a entrada do Magazine Luiza no negócio – primeiro com a compra da Estante Virtual e depois incluindo livros em seu e-commerce. E também a proliferação dos clubes de assinatura. Vi editores independentes fazendo coisas muito especiais e ganhando a admiração e a fidelidade de leitores e autores. Vi livreiros independentes acreditando na livraria de rua e ajudando a fazer uma São Paulo mais bonita. E vi pessoas redescobrindo a leitura na pandemia. Resumindo, é um mercado que vive seus altos e baixos, mas que não desiste porque acredita no que faz e sabe como a leitura pode ser transformadora.

 

HH – Ainda falando dessa sua trajetória profissional, qual ou quais momentos foram mais marcantes?

MF – É um privilégio trabalhar com literatura e eu diria que alguns encontros que tive ao longo dessa última década, pessoalmente, por telefone ou pela leitura, me marcaram profundamente. Encontros e entrevistas com escritores que admiro, como Julian Barnes, Zygmunt Bauman, Amós Oz, David Grossman, Mia Couto, Maria Valéria Rezende, Ignácio de Loyola Brandão, Thiago de Mello e tantos outros, ou com editores, quando fazíamos uma série de entrevistas sobre a história das editoras, me ensinaram muito. Mas me tocaram muito histórias que conheci por acaso, justamente enquanto buscava pautas que fugissem do que era esperado em coberturas de feiras internacionais, por exemplo – como a de um sírio, editor de livros para crianças, que saiu de seu país em guerra com uma mala de livro e alguns poucos pertences para participar da Feira do Livro de Abu Dhabi e sabia que não voltaria mais para casa. Ou de duas editoras ucranianas com quem conversei este ano na Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha e que aceitaram contar como foi a fuga em plena guerra, como está a vida hoje e o que estão fazendo para garantir que essa tragédia seja conhecida por todos e também para fazer chegar livros aos ucranianos nos abrigos antibombas ou refugiados em outros países.

 

HH – Como é a sua rotina no jornal? Como pensa as pautas das matérias e das notas da Babel?

MF – A rotina do jornalista que trabalha numa redação mudou muito desde que comecei. Eu cheguei no Estadão para fazer uma coluna semanal sobre o mercado editorial, e essa é, agora, uma pequena parte do trabalho. Minha rotina começa com a leitura do Diário Oficial às 7h, seguida da edição da home de Cultura e então os acontecimentos do dia vão ditando os próximos passos. Sou repórter de livros, mas não só. Ao mesmo tempo em que faço as minhas colunas, a Um livro por semana e a Babel, e matérias sobre livros e mercado editorial, tenho que atender às demandas do jornalismo diário. A Babel também mudou ao longo desses anos. Antes, ela trazia mais notícias de bastidores, assuntos que interessavam mais aos profissionais do mercado editorial. Hoje, entendo que faço uma coluna sobre mercado editorial para leitores que gostam de livros. E o mesmo se aplica às matérias. Penso em pautas que possam interessar a um maior número de leitores, e se a matéria é, por exemplo, sobre a crise das livrarias, procuro uma abordagem que aproxime o assunto da vida das pessoas.

 

HH – Você foi neste ano à Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, o seu primeiro grande evento presencial desde o início da pandemia do novo coronavírus. Como foi essa experiência?

MF – Chegar em Bolonha no primeiro dia da primavera depois de dois anos de um isolamento rígido, ver o reencontro dos profissionais do mercado editorial, conversar com editores interessados em encontrar livros que pudessem ajudar as crianças a entender e elaborar esse momento e a lidar com a vida, consigo e com os outros e ver a produção literária e editorial dos mais diferentes países possibilitando o início de um diálogo entre culturas diferentes, o que ajudará na formação de uma geração mais empatia, foi renovador.