Antes de ser sócia do Nespe, Cibele Bustamante se tornou PhD em design e comunicação multimídia em Milão, na Itália. Ela, que reúne mais de 20 anos de experiência na área editorial, é uma das mentes pensantes por trás da pós-graduação em Design Editorial, que está com inscrições abertas e nova turma prevista para começar no dia 23 de julho. Além disso, está no corpo docente do curso livre Produção de e-books, que também está com inscrições abertas, com início marcado para o dia 2 de agosto. E ela é a entrevistada dessa semana do Happy Hour Nespe. Na conversa, ela fala sobre o crescimento de consumo de livros digitais durante a pandemia, sobre tendências e ainda sobre recursos digitais pouco explorados pela indústria do livro.

HH – A Bookwire trouxe relatórios que demonstraram crescimento no consumo de livros digitais ao longo da pandemia. Você acredita que esse aumento de demanda significa um novo patamar para este tipo de produto?

Cibele Bustamante – O consumo de livros como um todo (impresso, digital, em áudio e até mesmo plataformas como o Wattpad) cresceu durante a pandemia. No caso dos e-books, acredito que a pandemia tenha impulsionado um movimento de digitalização que tem ocorrido em todos os setores da sociedade.

HH – Em termos técnicos, os e-books permitem uma série de recursos de interação, que o livro físico não permite. Você acha que as editoras brasileiras exploram esses recursos de forma adequada?

CB – Não. Mas não é só no Brasil. A editora tradicional ainda é muito atrelada ao físico e há uma certa resistência ao movimento de digitalização, que transforma a editora de uma produtora de livros em uma gestora de conteúdo. Há mais de 20 anos já se falava em convergência de mídias e grande parte do setor editorial está ficando para trás. Existem, claro, editoras que buscam diversificar, lançando livros digitais e audiolivros. Mas raramente entendem que o leitor não é mais só um leitor. Ele quer consumir experiências e, para isso, o livro deve ser interativo. Não é só o link que leva o usuário a ir para o site da editora no e-book – é áudio, vídeo, material extra de apoio. E, na falta dessa visão, a editora ganha concorrentes no mundo dos aplicativos e dos jogos.

HH – Muita gente fala em “converter” livros físicos para e-books. Você defende que o verbo correto seria “adaptar”. Por quê?

CB – Há uma ideia generalizada de que existe um botão que “transforma” o livro impresso em digital. Muita gente usa o termo “conversão”. É nesse suposto “botão conversor mágico” que surge a maior parte das críticas ao livro digital: leitura ruim, imagens ininteligíveis, a legenda que se confunde com o texto etc. O correto seria fazer uma adaptação: não só para fazer com que o conteúdo impresso seja bem apresentado no digital, mas também para fazer bom uso de recursos que somente o digital pode levar ao leitor.

HH – Quais ferramentas mais adequadas para fazer essas adaptações?

CB – A ferramenta mais importante é o conhecimento! Entender o conteúdo a ser vendido, conhecer o consumidor e o que ele espera e, a partir daí, desenhar o produto a ser entregue. É o produto que deve definir a ferramenta: vamos fazer um e-book convencional? Então o Sigil, que é um programa gratuito de edição de e-books, é a solução. Vamos fazer um enhanced e-book, um appbook? Para qual (ou quais) plataformas? Nada impede que um livro digital seja entregue em forma de página na internet, com acesso exclusivo a quem comprou, por exemplo.

HH – Outra preocupação sua – e é da sua formação, inclusive – é com o design dos livros digitais. O que pode e o que não pode no design de um e-book?

CB – A esse ponto da nossa conversa, pode parecer que o céu é o limite. Em tese, é. A questão é que cada tipo de conteúdo pede um tipo de livro e o que pode ou não pode é definido pelo tipo de livro que a gente quer lançar. Nesse ponto, a Amazon acaba sendo uma pedra no sapato de muitos projetos, porque o e-book vendido na Amazon tem um nível de interação bem limitado se comparado com o que um ePub (livro digital aberto) e um appbook podem oferecer.

Uma outra necessidade ao fazermos livros digitais, é nos despirmos das nossas pré-concepções do livro impresso. O tamanho do tipo, por exemplo, é definido pelo leitor. Além disso, a pessoa pode ler o mesmo livro em um celular, em um aplicativo dedicado, em um tablet ou no computador, então não existe controle do tamanho da página, nem da mancha gráfica. Para designers que nasceram no impresso, como eu, é uma falta de controle difícil de aceitar, mas também é um desafio super gratificante.

HH – Vamos falar agora de livros físicos… Você consegue apontar algumas tendências de design gráfico neste segmento?

CB – Monteiro Lobato já falava que o leitor brasileiro gosta de livro bonito. Esse amor à estética, ao acabamento e a tudo que o livro impresso pode proporcionar tende a ficar em evidência. Se os livros digitais de baixa interatividade tiram uma fatia do mercado do livro mais simples e barato, o contraponto será a compra de livros físicos esteticamente agradáveis e que incitem a tatilidade e outros sentidos. O interessante é que isso não quer dizer livro caro. Existem inúmeras formas de se agregar valor a um livro sem que seu preço se torne proibitivo.

Por outro lado, as novas formas de impressão, como a impressão de baixa tiragem e a impressão sob demanda, fazem com que o designer precise conhecer novas técnicas de impressão e adeque seu trabalho a elas.

HH – A pós-graduação em design editorial está com inscrições abertas. O que você diria para me convencer a me matricular? (rs)

CB – Na pergunta anterior eu apontei duas tendências: uma de ordem estética e outra de ordem técnica. Criamos essa pós com a visão de relacionar a teoria à prática e a técnica a essa tal de estética – que parece um segredo guardado a sete chaves por designers iniciados. Não é bem assim e, para desvendar esse segredo, convidamos profissionais do livro com muita bagagem e didática. Está na hora de popularizar e profissionalizar o conhecimento em torno do design do livro, transformando o designer-diagramador em designer que faz parte da concepção do livro como um projeto intricado e delicioso.