A feitura de um livro exige muita organização. São times distintos realizando tarefas complexas e, em muitos casos, ao mesmo tempo. Orquestrar todos esses processos editoriais é uma arte que Silvia Rebello conhece bem. Ela é diretora da BR75 texto | produção | design, um hub de serviços editoriais, e professora do Curso Livre de Gestão de Processos Editoriais e da pós-graduação em Edição e Gestão Editorial aqui no Nespe. Silvia é a entrevistada do Happy Hour Nespe desta semana. Na conversa, ela define o que é uma boa gestão de processos editoriais, dá dicas práticas de quais ferramentas usar e ainda conta seu segredo para conseguir se organizar tão bem neste mar de informações e processos.

Happy Hour Nespe – Como você define uma boa gestão de processos editoriais?

Silvia Rebello – Para que um projeto editorial possa transcorrer da melhor forma e ter um índice de sucesso mais alto, é muito importante que sejam respeitadas etapas mínimas que fazem parte de praticamente qualquer projeto. Elas se dividem classicamente em cinco fases, mas, de modo objetivo, precisamos muito: a. conhecer o projeto e o produto que será o resultado da entrega desse projeto (etapa de definição, conhecimento do escopo do que vamos produzir); b. elaborar um plano de ação, desenhar as etapas que serão necessárias para que a entrega final ocorra dentro do prazo, com o maior grau de qualidade possível e dentro do orçamento (etapa de planejamento); c. executar o plano sempre monitorando o que está sendo realizado comparativamente ao que foi planejado (etapas de execução e monitoramento); d. ao fim do projeto, reunir aprendizados do projeto que podem minimizar erros e otimizar recursos e tempo em projetos futuros.

Estes são os passos estruturais de um projeto. A adaptação disso à realidade de cada equipe de produção editorial é tarefa do gestor que sabe o que tem e quer entregar e que, mais que tudo, conhece de que profissionais ele precisa para fazer esta entrega na construção do seu catálogo.

Outro ingrediente fundamental, muito mais que documentações, é a sensibilidade para gerir as pessoas envolvidas em cada projeto. O sucesso depende do empenho e do bem-estar da equipe. Uma equipe respeitada é sempre mais produtiva e motivada. E um ambiente saudável gera melhores entregas e muito mais colaboração no aperfeiçoamento de documentos e fluxos, o que, por fim, gera um ciclo de processos mais eficaz, sem desperdícios e mais leve.

HH – Na BR75, vocês fazem uma gestão 360 de processos editoriais. São muitos projetos, cada um em sua etapa. Qual o segredo para manter a organização?

SR – A BR75 é um escritório de planejamento, gestão e execução de projetos editoriais. Claro que, parte do segredo, é amarmos muito o que fazemos. Sei que parece uma frase feita, mas eu não tenho como não dizer isto. Nossa equipe tem uma sintonia profunda com o nosso desejo de que o projeto do nosso cliente seja o nosso projeto, de que a nossa equipe seja uma extensão real da equipe interna de cada cliente.

O planejamento de projetos depende de uma junção de elementos, e trabalhar cada dia com um projeto diferente, de uma empresa parceira diferente requer uma imersão profunda na realidade da editora ou da empresa que nos procura para realizar um projeto de publicação.

Com base nesta compreensão, a BR75 se estruturou em times dedicados a cada um dos eixos centrais da execução de elementos da cadeia produtiva de publicações (time de tratamento de textos em língua portuguesa, time de design editorial, time de tratamento de textos em língua estrangeira) e somou a eles um núcleo dedicado a gestão, planejamento, monitoramento e controle. Para além disto, temos um núcleo de TI, além do departamento de pessoas e contabilidade, fundamentais para a nossa operação. Mais recentemente, temos desenvolvido também nossa comunicação corporativa.

Se eu tiver que escolher um ponto crucial que une tudo isto, eu reforçaria a importância de uma comunicação efetiva, que considere fortemente as características das pessoas envolvidas no dia a dia da produção editorial. De nada adianta montar uma estrutura de gerenciamento robusta que seja inacessível a quem terá de fazer uso das ferramentas escolhidas pelo gerente de projetos. É muito importante que a alimentação das informações tenha regras claras e que seja muito rápida e fácil. Só assim, a comunicação será bem-sucedida. Vivemos em um mundo em que temos muitos meios para troca de informações e este é na verdade, na minha opinião, um dos maiores riscos à gestão de projetos. É fundamental, logo de início, que a equipe toda saiba como se comunicar (por que meio, em que horário etc.) para que o projeto possa seguir sem sustos.

HH – Você poderia nos dar dicas de softwares e boas práticas para gerenciar projetos editoriais?

SR – Posso (risos). Mas não sem antes dizer que os softwares são maravilhosos e inúmeros, mas o que mais importa é que o programa escolhido seja sob medida para o tipo de informações a gerenciar e acessível (do ponto de vista financeiro – muitas licenças são compradas, e cobradas em dólar –, do ponto de vista técnico etc.) para todos os envolvidos. De nada adianta você desenhar todo o projeto dentro de um software e não treinar a equipe para que ela saiba utilizá-lo corretamente. São comuns casos de falhas de comunicação por desconhecimento quanto à estrutura/funcionamento da ferramenta escolhida. Isso é triste, porque gera um desperdício de verba, de tempo e, de quebra, gera estresse!

Então, sendo chata, tenho que reforçar que a metodologia de gerenciamento é mais importante (juntamente com o conhecimento técnico para desenhar as etapas, com a escolha dos profissionais certos, com o engajamento desses profissionais no projeto) que a ferramenta escolhida.

Assim, tendo a dizer que qualquer ferramenta que seja compartilhada, compreendida e atualizada por todos os envolvidos é a melhor ferramenta que um gerente de projetos pode querer.

No dia a dia, algumas das ferramentas mais utilizadas, são: Microsoft Planner, Trello, ClickUp, Monday, MicrosoftProject (para usuários mais avançados/projetos mais complexos), Asana, entre muitos outros. De acordo com o tipo de projeto e com a metodologia de gerenciamento escolhida (modelos mais preditivos, modelos mais ágeis, modelos híbridos) e com a realidade da equipe, o gerente deverá ser capaz de eleger a ferramenta mais adequada a cada projeto ou grupo de projetos. Lembrando que isto pode ser, sim, na minha opinião, até mesmo uma planilha de Excel compartilhada, desde de que estruturada de modo claro, objetivo e alimentado corretamente por todos os envolvidos.

Como já ressaltei, o elemento da comunicação tem relação direta aqui. Em muitas destas plataformas, é possível taguear a pessoa envolvida em uma determinada tarefa. Se a comunicação depender deste acompanhamento, toda a equipe deve estar com acesso constante à plataforma escolhida para que o ciclo de comunicação não se rompa.

HH – Quando se justifica a contratação de um bureau de gestão de processos editoriais e não manter este processo dentro da estrutura da editora?

SR – A BR75 nasce justamente a partir da constatação de que o mercado editorial, como muitos outros, tende a ter um grau alto de terceirização nas suas produções. Entendemos que isto tem vantagens, como poder selecionar sob medida o capista/tradutor/revisor ideal para um determinado livro. No entanto, é também digno de nota que projetos editoriais tendem a ter prazos não muito largos, o que se torna um ponto sensível quanto à pulverização máxima de serviços terceirizados. Explico: temos de considerar que o fator tempo pesa quando, a cada projeto, a equipe interna da editora precisa consultar diversos profissionais e cruzar a disponibilidade destes com a necessidade de cronograma da produção da editora. Fora isto, a cada novo trabalho, negociar prazo, preço, monitorar entrega, relembrar ou combinar padrões, verificar para onde enviar e onde buscar materiais etc.

Para além do fator tempo, pesa neste cenário também o fator da padronização. Se a cada livro teremos uma equipe diferente executando, por exemplo, etapas de copidesque e de revisão, é necessário, a cada etapa de cada livro, apresentar os manuais, explicar regras de funcionamento e preferências de padronização da editora etc.

Fora isto, embora tenhamos no mercado profissionais frilas incríveis e pontualíssimos, quando trabalhamos com um grupo muito grande e variado de pessoas, o fator de risco sempre cresce (é assim em qualquer projeto, na minha opinião). Assim, pode acontecer de eventualmente um destes profissionais ter um imprevisto e não entregar no prazo, ou entregar algo incompleto. Quando a editora tem ao seu lado uma empresa, ela conta com um grupo de profissionais e ela tem uma estrutura editorial garantindo qualidade e pontualidade.

No nosso caso, as editoras parceiras contam também, e normalmente gostam muito deste nosso suporte, com a equipe dedicada a planejar, sanar dúvidas, antecipar obstáculos. Assim, na minha opinião, a decisão do gerente de projetos interno da editora entre um dos 4 modelos — 100% da execução realizada pela equipe interna da editora; ou execução híbrida (interna + frilas); ou híbrida (interna + escritório de produção editorial); ou 100% realizada por um escritório de produção editorial — deverá considerar as características e especificidades de cada projeto. Isto é, dependendo da natureza do título a produzir, do fluxo e da programação da produção interna da editora, do tipo de profissionais necessários a cada produção, o gerente terá elementos suficientes para optar pelo melhor caminho. Não há aqui também receita de bolo. Os 4 modelos existem e se mostram eficientes há tempos. A questão é realmente escolher o sistema mais adequado e organizar a gestão do projeto considerando as especificidades do modelo escolhido.