O cearense João Scortecci tem muita vivência no livro. É escritor, editor, gráfico e livreiro. Fundou, em 1982, o Grupo Editorial Scortecci e atualmente é presidente da regional São Paulo da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf), além de membro eleito do Conselho da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e membro do Conselho Técnico Editorial do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). Ele é o entrevistado da semana no Happy Hour Nespe. Na conversa, ele fala sobre o aumento do preço dos insumos para impressão, do green-publishing, movimento que quer transformar o mundo editorial mais sustentável, e faz um balanço dos 40 anos como editor.

Happy Hour Nespe – Como você tem acompanhado o aumento do preço dos insumos para impressão e como isso tem impactado no setor editorial?

João Scortecci – O mercado está apreensivo. Não poderia ser diferente. O aumento dos preços dos insumos e dos serviços de edição e impressão tem causado na economia do livro um desequilíbrio estrutural. Sentimos o golpe. Os números assustam e, infelizmente, continuam subindo. Creio que estamos vivendo uma espiral inflacionária. O mercado, em 2022, reajustou seus preços de capa, em média, 28%. Isso não repõe as perdas. Estamos na “berlinda”, entregues aos vícios dos descontos predatórios e de práticas de comercialização ultrapassadas, que emperram o crescimento do mercado. Precisamos buscar – urgentemente – o preço justo de capa, ajustar as tiragens e voltar a remunerar, adequadamente, com lucro, todos os agentes da cadeia produtiva. É o desafio. Gosto de pensar que a Lei Cortez – lei do preço único – será oportuna e benéfica para o setor. Outras medidas também precisam ser adotadas. Ideias não faltam. O valor de uma coisa só depende da importância que damos a ela. Não acredito que a tributação de 12% da CBS – Contribuição Social sobre Bens e Serviços seja aprovada. Seria uma tragédia. Mesmo assim não podemos “baixar a guarda”.

HH – Você vê chances de o preço do papel voltar a patamares considerados mais “normais” no curto prazo?

JS – Não. Talvez a médio e longo prazo. Estamos vivendo uma crise global e estrutural. Não podemos desistir do lucro, dos investimentos e muito menos da diversidade editorial. Vamos ter que reinventar o negócio do livro. O caminho será doloroso, longo e sem volta, e passa pelo entendimento.

HH – Uma das tendências apontadas por Marifé Boix-García, em entrevista aqui no Happy Hour Nespe, é o Green Publishing. Para a vice-presidente da Feira do Livro de Frankfurt, é preciso repensar o uso de plástico nas embalagens e racionalizar as tiragens. “Imprimir livros para depois destruí-los não faz mais sentido”, ela disse. Como a indústria gráfica enxerga esse movimento global?

JS – Sou um defensor da diversidade editorial e da racionalização das tiragens, isso desde os anos 1980. Fui um dos primeiros a questionar sobre o assunto. Uma insanidade! O “pseudo” ganho na impressão de grandes tiragens, pelo simples preço unitário do livro impresso, acaba sendo engolido pelos custos de armazenagem, encalhe e no “empate” de matéria prima. O caminho – não há outro – passa pela racionalização das tiragens. Imprimir livros para depois destruí-los não faz mais sentido. Na verdade, nunca fez. A indústria do livro vai ter que se adaptar ou vai ficar sem serviço. Vejo uma nova postura do setor – lúcida e equilibrada – e isso nos dá esperança.

HH – Na Bienal, a Scortecci comemorou seus 40 anos. Que balanços você faz dessas quatro décadas atuando como editor, gráfico e livreiro?

JS – Gratificante. Estou vigilante e feliz. Temos mais de 11 mil títulos em catálogo e mantemos desde 2010, a média de 600 novos títulos em primeira edição por ano. As tiragens diminuíram. Adotamos, desde 2010, às pequenas tiragens, isso como ponto de partida e conjuntamente, na sequência do processo de impressão, a prática das tiragens sob demanda. Investimos pesado no marketplace e em duas lojas de varejo. Atuar como editor, gráfico e livreiro tem me ajudado a entender as dores de cada agente da cadeia produtiva do livro. Na presidência da Abigraf, regional São Paulo, no conselho eleito da CBL – Câmara Brasileira do Livro e, agora, no conselho técnico editorial do SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros, tenho encontrado espaço e apoio para o entendimento. Tenho feito da minha vida de livros um poema sem-fim.