A professora Ana Elisa Ribeiro é uma referência quando se trata do estudo da edição no Brasil. Ela atua nos ensinos superior e médio integrado do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, o CEFET-MG. Lá, ajudou a fundar o curso de Letras e o programa de pós-graduação em Estudos de Linguagem, institucionalizando uma visão independente do que sejam os estudos de edição. É ainda vencedora do Prêmio Jabuti, com o juvenil Romieta e Julieu (RHJ).

Agora, ela acaba de fundar – ao lado de Samara Coutinho e Cecília Castro – a Entretantas, editora que publicará “textos breves sobre edição e mercado editorial, com um fundo acadêmico, mas se permitindo mais liberdade e especulação”, como ela mesmo explicou em entrevista ao Happy Hour Nespe.

Na conversa, Ana Elisa Ribeiro falou ainda sobre o papel das mulheres na indústria editorial. Esta é uma das principais linhas de pesquisa da professora que tem rendido bons frutos. Um deles, Como nasce uma editora, um dos títulos que inaugura a Entretantas.

Happy Hour Nespe – Um dos primeiros títulos que a Entretantas apresentará ao mercado será “Como nasce uma editora”, de sua própria autoria. Pegando carona neste título – que, embora curto, é cheio de camadas – como nasceu a Entretantas?

Ana Elisa Ribeiro – A Entretantas nasceu com um primeiro título sobre edição, um verbete expandido produzido a muitas mãos a partir de pesquisa e de uma disciplina da pós-graduação do CEFET-MG. Essa primeira publicação foi feita com o apoio de outra editora, a Quixote+Do. Mas se esgotou logo e resolvemos reimprimir o livro. Nesse momento, nos demos conta de que poderíamos editar sob um selo nosso. Refiro-me a mim e às editoras e pesquisadoras Samara Coutinho e Cecília Castro, que já tinham seus projetos solo. A ideia então foi trazer o primeiro livro em segunda edição para o nosso selo novo e publicar mais um título a fim de participar da feira Urucum, que aconteceria em fevereiro, em Belo Horizonte.

Encontrei aí a chance de finalizar um ensaio sobre mulheres que editam, texto que eu já vinha morosamente produzindo, e que serviu bem ao formato do novo projeto. O título Como nasce uma editora veio então para dar sequência à ideia do selo de publicar sempre sobre temas da edição, mas numa forma breve. A ambiguidade do título é proposital, muito fecunda e divertida até. Em português isso é possível, e aproveitamos esse ensejo.

Já o nome da editora é uma brincadeira com a prestigiosa Todavia. Brincamos com aquela famosa listinha de conjunções tipo mas, porém, contudo… só que com um toque feminino, feminista e plural: Entretantas. Há muitos sentidos aí, além da nossa consciência de que nascemos entre muitas outras respeitáveis editoras. Ganhamos até um slogan muito bom sugerido pelo Sérgio Karam, tradutor gaúcho: “a editora que vem contudo”!

A Entretantas nasceu, então, de uma oportunidade de segunda edição, de um clique de coragem sem muitas certezas.

HH – Qual a linha editorial da nova editora?

AER – A Entretantas publicará textos breves sobre edição e mercado editorial, com um fundo acadêmico, mas se permitindo mais liberdade e especulação.

Ana Elisa Ribeiro, Cecília Castro e Samara Coutinho são as sócias da Entretantas | Divulgação

HH – Vocês optaram por produzir livros de baixo custo e manter a versão digital em acesso aberto. Neste modelo, como garantir o binômio difusão / sustentabilidade da editora?

AER – Não sei se vamos garantir a vida da editora. Por enquanto, fizemos um investimento pequeno e tem dado certo. Os livros se pagaram. É claro que pensamos tudo junto: imprimir para que oportunidade? Cada título chega para circular num evento, em uma disciplina de pós etc. A circulação inicial deles está mais ou menos garantida. É como ter um tipo de clube de leitura. Só que eles têm nos surpreendido também. Chegam onde não planejamos e voam longe. Essa dupla circulação tem parte nisso.

O impresso tem sua característica e muita gente o quer. O digital faz uma parte complementar da coisa. Por exemplo, vai a outros países sem custo, chega a pesquisadores distantes, sem termos de pagar muito mais do que o valor do livro para enviar pelos correios.

O preço baixo é conseguido porque pensamos o projeto já considerando formato, papel, volume etc. Claro que fizemos uma boa parceria com a Impressões de Minas, uma editora que também é gráfica e que nos ajuda a chegar a um preço que consideramos interessante, numa conta que paga os livros e não nos dá prejuízo, embora ainda também não dê lucro. Por enquanto, estamos mais preocupadas com um modelo que faça circular os livros do que com outras coisas. Nosso foco está no presente, testando este modelo e esta possibilidade. Não sabemos ainda o tamanho do futuro da Entretantas. O que sabemos é que ela põe no mundo uns livros que ficarão além dela.

HH –Onde os interessados em comprar os livros da Entretantas os acharão em quais canais?

AER – Os livros impressos da Entretantas podem ser encontrados em feiras das quais participarmos, na livraria Quixote (BH) e na Banca Tatuí (SP). As vendas do impresso têm sido feitas por meio de um formulário Google, porque não temos site nem loja virtual ainda. O jeito de vender tem funcionado. Somos apenas um pouco lentas porque esperamos sempre as sextas-feiras para fazer os envios de cada semana. As pessoas precisam ter a paciência desse ritmo artesanal. Já o PDF será postado em um drive acessável pelo meu site. Ainda não disponibilizamos os títulos, mas vamos fazer isso. Tudo em teste. Pode ser que prefiramos ter um site em breve.

HH – Há a possibilidade de pessoas que escrevem sobre “livros” e “edição” submeterem projetos para a editora? Se sim, qual o procedimento?

AER – Por enquanto, temos mais um projeto em andamento. Já começamos a pensar na sequência. Não abrimos nenhuma chamada, mas estamos dispostas a avaliar propostas interessantes dentro do tema. Podem ser ensaios breves, uma tradução importante etc. É só enviar e-mail para nós. Entrar em contato comigo ou com as outras editoras. Certamente vamos pensar e discutir juntas.

HH – Você tem sido uma referência quando o assunto é o papel da mulher na indústria editorial. Como avalia a posição delas no nosso mercado de trabalho?

AER – As mulheres estão em grande número no mercado editorial hoje. Nem sempre foi assim. E menos ainda em postos de decisão e poder. Mulheres sempre traduziram ou revisaram, por exemplo. Em alguns segmentos, como o infantil, sempre puderam ser autoras ou editar.

Nossos grupos de pesquisa estão interessados na história das mulheres que não foi devidamente narrada, nas razões pelas quais isso acontecia, em uma certa arqueologia das editoras (mulheres), no mapeamento do que acontece hoje e no futuro disso.

Temos produzido perfis, temos dado uma perspectiva de gênero aos estudos, temos cobrado isso dos estudos acadêmicos, dialogando com pesquisadoras de outros países. Hoje há mais fundadoras, diretoras etc., mas ainda precisamos analisar as condições e o contexto em que isso acontece. Temos colegas que apontam a precarização do trabalho e as relações com a edição independente como algo que deve ser observado e analisado.

Um passo seguinte pode ser a tomada de consciência sobre muitas coisas e, quem sabe, a mudança do que não está legal. Seguimos estudando.