Marifé Boix García é uma das mais influentes personalidades da cena internacional da indústria editorial mundial. Ela é vice-presidente da Feira do Livro de Frankfurt e a entrevistada do Happy Hour Nespe desta semana. Na conversa, ela faz um panorama do mercado brasileiro, conta como foram as duas últimas edições da Feira e mostra tendências que despontam no horizonte da indústria do livro pelo mundo.

Happy Hour Nespe –  Como vice-presidente da Feira do Livro de Frankfurt para a América Latina você acompanha o mercado editorial brasileiro há alguns anos. Quais mudanças mais relevantes você viu acontecer na nossa indústria neste período?

Marifé Boix García – Na área das livrarias vemos como as grandes cadeias fecharam lojas e as médias e pequenas livrarias ganharam espaço no mercado abrindo novas lojas e aumentando suas vendas.

Na área editorial vemos mais reimpressões (82%) e menos novidades (18%). Também percebo que houve uma diminuição das tiragens em 20,5%.

O maior canal de venda continua sendo as livrarias. E, em segundo lugar, estão as livrarias virtuais. No início da pandemia, as livrarias fecharam as suas portas, as vendas foram para as lojas virtuais, onde o aumento de vendas foi notável.

Muitas lojas físicas (e outras empresas) aproveitaram o momento da pandemia para digitalizar seus processos. Muitas já haviam tentado fazer isso, mas julgavam que não era ainda o momento adequado. Durante a pandemia a necessidade ficou mais evidente.

Pavilhão brasileiro na Feira do Livro de Frankfurt em 2013 | © Nurettin Cicek | Frankfurter Buchmesse

HH – O Brasil foi homenageado em Frankfurt em 2013, pela última vez. O que aconteceu (ou deixou de acontecer) depois disso?

MB – O positivo é que o projeto Brazilian Publishers continua trabalhando e crescendo. É um programa muito bom, que ajuda na profissionalização do setor. Lamentavelmente, o que aconteceu depois de ser convidado de honra é que as publicações de literatura brasileira no exterior diminuíram mais do que o esperado.

Isso tem a ver com a instabilidade e a descontinuidade dos necessários programas de apoio à tradução.

A Câmara Brasileira do Livro [que abriga o Brazilian Publishers], junto com o Ministério de Relações Exteriores, tenta trazer alguns autores para a feira.

Recentemente, aconteceu um fenômeno curioso. Portugal foi o convidado de honra da Feira do Livro de Leipzig e alguns escritores brasileiros pegaram carona nesse feito e conseguiram ser publicados aqui na Alemanha.

HH – A pandemia nos obrigou a virtualizar o mundo e as relações. Frankfurt foi rápida e respondeu com uma plataforma robusta de negociação de direitos. Muitos analistas questionaram o futuro das feiras dos livros. “Pra quê ir até Frankfurt, se posso fazer as reuniões desde o meu escritório?”, cheguei a ouvir de uma agente literária. Como manter a feira relevante neste novo cenário?

MB – A digitalização é uma ferramenta que ajudou e ajuda para manter o contato. Não tínhamos outra opção. Na feira intentamos oferecer opções digitais para continuar fazendo contatos e negócios. Nos casos onde já existe uma relação entre duas pessoas e durante um tempo a comunicação é através de uma tela, está tudo bem. Mas, se duas pessoas não se conhecem, não é a mesma coisa. Além das palavras, a língua corporal e também as emoções são importantes. Isso não se pode transferir tão fácil por meio de uma tela.

Também quando mandamos uma versão digital de um livro, não transmitimos as dimensões do livro, a sua textura e as suas cores. Não percebemos da mesma maneira.

O feedback que recebemos depois da feira digital foi que é a preferência dos visitantes é fazer negócios pessoalmente.

Agora que tiveram lugar várias feiras como Frankfurt, Guadalajara, Bolonha, Londres, Buenos Aires ou Bogotá podemos ver a felicidade e a eficiência do encontro pessoal. Também percebemos isso nas apresentações de livros e outros eventos literários.

HH – Em 2021, a Feira do Livro de Frankfurt voltou a ser presencial. Como você avalia essa retomada?

MB – Em 2021, a Feira do Livro de Frankfurt foi o primeiro encontro presencial da indústria internacional do livro. Foi mutuo importante mostrar que o setor está(va) presente. A vontade de se encontrar é imensa. Vários países não puderem participar, como os EUA e alguns da Ásia, por limitações impostas pela pandemia. Além disso, tínhamos a dificuldade de que só podiam entrar em Europa as pessoas vacinadas com as poucas vacinas aceitas no continente. Os outros precisavam passar dez dias em quarentena e isso não era viável.

A feira foi muito boa para quem participou. Muitas pessoas que foram tiveram oportunidades de reuniões que em outros anos eram impossíveis, porque as agendas estavam cheias de reuniões.

HH – Você tem uma posição muito privilegiada no mercado. Consegue ter uma visão ampla de tudo o que está acontecendo. Consegue eleger cinco tendências que apontam para onde a indústria do livro está indo?

MB – Tem vários temas atuais. O primeiro que destaco é o Green Publishing. Não precisamos envolver todos os livros em plástico, por exemplo. Além disso, precisamos repensar o transporte e as tiragens. Imprimir livros para depois destruí-los não faz mais sentido.

Outra tendência que percebo é a da acessibilidade. O livro tem que ser acessível para cegos, pessoas de baixa visão e pessoas com outras incapacidades.

O terceiro ponto é a diversificação do conteúdo em outros formatos, como o audiolivro ou a transformação em produtos audiovisual, com a distribuição em streamings e através de outras plataformas.

Percebo que as mulheres têm ganhado espaço e estão dirigindo equipes editoriais ou dirigindo empresas; ou pelo menos isso agora elas estão mais visíveis.

Por fim, noto que, apesar da evidente concentração do mercado, estão aparecendo novas e ambiciosas editoras independentes.