Carlo Carrenho se tornou uma referência no mercado editorial brasileiro. Hoje morando na Suécia, o fundador do PublishNews parou um pouco a sua rotina para participar do Bate-Papo aqui no Nespe. Na conversa, ele revela o que tem feito desde que vendeu o PublishNews; resgata um panorama do mercado brasileiro nas últimas duas décadas; aponta tendências que poderão ditar esse mercado no futuro e ainda fala sobre o potencial dos audiolivros.

Happy Hour Nespe – Entre 2021 e 2022, você vendeu integralmente o PublishNews. O que muita gente pergunta é “o que anda fazendo Carlo Carrenho?”. É a sua chance de responder…

Carlo Carrenho – A venda do PublishNews fez parte de um projeto de vida que foi emigrar definitivamente para a Suécia, país que sempre amei desde que morei lá em 2005. Meu êxodo foi causado muito mais pela paixão pelo país escandinavo do que pelo desgosto pelo Brasil. Então, respondendo à pergunta, acho que a principal coisa que tenho feito é me adaptar ao novo país.

Já faz quatro anos que moro na região de Estocolmo, mas emigrar é um eterno aprendizado, que envolve muito mais que aprender a língua ou a cultura. Você tem que descobrir como os seguros funcionam, como comprar um carro, como vender um carro, como matricular os filhos na escola, como votar, como arrumar a bicicleta você mesmo, como comprar uma casa, como financiar uma casa, como arrumar a fechadura sozinho, como eliminar os dentes-de-leão do jardim… Enfim, você tem que aprender tudo de novo e sem ter um pai ou uma mãe para ensinar. Acho que o processo de emigrar foi minha maior atividade nos últimos anos. J

Profissionalmente, dedico metade do meu tempo à agregadora digital italiana StreetLib, cuidando da parte internacional. Atualmente, estamos expandindo para Portugal e Polônia, por exemplo. Fora isso, faço assessorias sempre ligadas ao universo do mercado editorial para empresas e instituições de países tão diversos como EUA, Eslovênia e Emirados Árabes. E, claro, eu não poderia esquecer a Pop Stories, editora digital que mantenho no Rio de Janeiro com a Silvia Ribeiro, focada em audiolivros. Graças a ela, mantenho um pezinho no Brasil…

HH – Nas últimas décadas, você assumiu um posto privilegiado de observador e analista do mercado editorial global. Consegue fazer um brevíssimo panorama do mercado editorial nas últimas duas décadas?

CC – Qualquer panorama do mercado editorial das últimas duas décadas vai sempre focar o digital. Em 2002, mal tínhamos Amazon no mundo, não havia Kindle, iPhone, e-books ou audiolivros. Ou seja, a grande mudança deste século está ligada à digitalização. E não me refiro apenas a livros digitais, mas ao comercio eletrônico, plataformas de selfpublishing, marketplaces e outras possibilidades que só se tornaram possível com o avanço das tecnologias digitais.

Outro destaque neste período seria a consolidação dos grandes grupos editoriais e o surgimento de monstros globais como a Penguin Random House, Hachette e Planeta.

De forma geral, vejo uma expansão da democratização do livro iniciada por Gutemberg nos últimos anos. Os processos de publicação e distribuição estão mais acessíveis com o selfpublishing e o e-commerce, e isto é extremamente positivo.

HH – E agora, pensando no futuro, quais tendências você tem acompanhado e quais delas se aplicam ao mercado brasileiro?

CC – Olhando de fora, observa-se que o mercado editorial brasileiro é bastante alinhado ao que acontece no resto do mundo e não deixa nada a desejar em termos de desenvolvimento, inovação e criatividade. Por isso mesmo, creio que as tendências globais sempre terão espaço nas terras tropicais. E estas tendências, na minha opinião são aquelas já citadas aqui: digitalização, crescimento do e-commerce, democratização do acesso ao processo editorial e consolidação.

Uma tendência de longo prazo que acredito que não tenha volta é a diminuição das livrarias físicas tradicionais. As crises da Saraiva e Cultura, que praticamente as destruíram, ocorreram neste contexto. É claro que comemoro quando livrarias independentes surgem ou conseguem sobreviver de alguma forma financeiramente saudável. Eu torço por isso. Mas acho que isto será cada vez mais raro em um mundo tomado pelo e-commerce onde consumidores são cada vez mais digitais e buscam multimidiáticos. O livro físico não corre riscos, pois seu formato é fantástico e eficiente. Mas as livrarias físicas precisam se reinventar como espaços varejistas culturais – ou não – para sobreviver.

E neste ponto quero tocar em um ponto nevrálgico do ecossistema do livro: as bibliotecas. Morando na Suécia – onde as bibliotecas são fantásticas a ponto de meus filhos pedirem para visitá-las no lugar de sugerirem ir às livrarias –, me dei conta do papel fundamental desta instituição para o crescimento da leitura, para a criação de amantes e compradores de livros e para a própria descoberta ou discoverability de livros. Estas funções, que sempre atribuímos às livrarias, são na verdade das bibliotecas. E se as livrarias tradicionais estão ameaçadas, a necessidade de se investir em bibliotecas de qualidade, que resgatem e assumam tais funções para si, é ainda mais urgente.

E o que são bibliotecas de qualidade? Simples: são bibliotecas para leitores e não para livros. Bibliotecas públicas não têm nada a ver com a Biblioteca Nacional, a Library of Congress ou a Biblioteca Real em Estocolmo. Estas prezam pela memória e história dos livros, e funcionam na prática como museus. Existem para proteger seus acervos: no caso, os livros. Mas as bibliotecas públicas têm outra função. Elas existem para o leitor e não para os livros. São lugares onde livros são consumidos, escritos e usados para que leitores sejam formados e conteúdos sejam descobertos. A tendência que ainda não está presente, mas que o mercado editorial precisa é de bibliotecas para gente.

HH – Nos últimos anos, você tem se dedicado de forma mais incisiva aos audiolivros. Em mercados como o sueco, o alemão e o dos EUA já se desenvolveram bem nesse aspecto. Aqui no Brasil, o que falta pra gente seguir adiante?

CC – O que falta para o mercado de audiolivro no Brasil são audioleitores. Já temos um acervo razoável, temos pelo menos três plataformas – Ubook, Storytel e TocaLivros – fazendo um ótimo trabalho, mas ainda falta mercado consumidor. Ainda não está disseminado o hábito da audioleitura no Brasil. Mas este processo não foi rápido em nenhum lugar.

Nos EUA, o mercado cresce anualmente com dois dígitos percentuais por ano, mas a Audible lutou bastante nos primeiros anos para encontrar seu público e só depois deslanchar.

Na Suécia, a Storytel apresentou um faturamento ínfimo durante sete ou oito anos antes de chegar ao momento atual, quando mais de 40% dos livros suecos consumidos são em formato áudio.

No Brasil, não tinha por que ser diferente. Estamos no caminho certo e acredito que o áudio ainda vai crescer bastante. Para que isto aconteça, é importante investimento em marketing e promoção, e isto ainda faz falta no Brasil. Por outro lado, podcasts e audiolivros começam a romper as tênues linhas que os separam, e acho que isto pode catapultar o consumo no Brasil, já que o podcast é muito mais próximo do rádio, uma mídia amplamente consumida em terras tropicais.

HH – Outra coisa que você tem feito de volta é viajar. Tem acompanhado algumas feiras internacionais. O que tem visto de novo depois dos anos mais duros da pandemia?

CC – Graças a Deus, não tenho visto nada de novo nas feiras que estão voltando. Estive em Frankfurt no ano passado e em Londres no primeiro semestre. E para meu alívio, as pessoas se abraçam, trocam cartões e estão desesperadas pela volta da normalidade. O ser humano é um ser social, e se as feiras são fundamentais para qualquer indústria, são ainda mais para o mercado de livros com seu número megalômano de negócios, transações, contatos e networking. Posso assegurar que, em 2023, tudo estará normal e poderemos curtir nossas feiras (e festas).

E para alguém que hoje está focado em desenvolvimento de novos negócios, seja na StreetLib ou nos trabalhos de consultoria, isto é um fundamental. Pois, como eu já disse, é possível manter contatos e negócios por meio de Zoom, Google Meets etc. Mas assim como sexo virtual não consegue gerar um bebê, contatos e networking online raramente geram novos negócios. Para conceber, seja lá o que for, é preciso proximidade física – e se for com intimidade, melhor ainda.