Jaime Filho é aluno da pós-graduação em Edição e Gestão Editorial aqui no Nespe. Já Andréia Amaral é professora do curso de Preparação e Revisão de Textos. Juntos, eles acabam de fundar a Serra da Barriga, editora de não ficção especializada em publicar histórias de pessoas negras.

Eles entenderam que há uma escassez desse tipo de narrativa e resolveram tapar essa lacuna, incluindo mais protagonistas pretos na galeria de personalidades biografáveis. A ideia é, por fim, transformar trajetórias individuais extraordinárias em representatividade coletiva.

“Ao nos aprofundarmos na tarefa de ouvir, contar, recontar e documentar vidas pretas, resgatamos o passado que nos moldou, visando não apenas construir futuros alternativos, mas também promover uma consciência preta no presente”, se apresentam no site da editora.

Ao Happy Hour Nespe, Andréia observa que a Serra da Barriga vem sendo pensada em cada detalhe. “Valorizamos o coletivo, que é como sempre gostei de trabalhar – e a dobradinha com o Jaime vem permitindo preservar isso. Nossa intenção é que a produção dos livros já seja uma experiência de inclusão e representatividade. Da escolha do que vamos publicar às pessoas que irão trabalhar com a gente”, disse. “Queremos que autores e agentes com um original em mãos sobre música negra ou história de pessoas negras possam logo se lembrar da Serra da Barriga como uma possibilidade de parceria. A ideia é que a editora aos poucos ganhe um espaço especial no mercado, sendo reconhecida pela diversidade do catálogo, representatividade das pessoas e por ter muito afeto em tudo o que faz”, completou.

A estreia

O livro de estreia da Serra da Barriga – o nome é uma clara referência à região que protegeu o Quilombo dos Palmares – é Na roda do samba (368 pp, R$ 89,90), de Francisco Guimarães, o Vagalume (?– 1946). O livro é uma reedição comemorativa de 90 anos da publicação original, organizada pelo historiador Leonardo Affonso de Miranda Pereira.

No livro, Vagalume – um dos raros negros a trabalhar em redações dos grandes jornais da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX – registra o desenvolvimento da musicalidade que resultaria no samba.

O autor transporta o leitor para o Rio de Janeiro dos anos 1930, revelando uma cidade com forte presença de pessoas negras, muitas vezes escondidas sob as imagens irradiantes de uma capital cosmopolita.

“Resgatar a obra clássica de Vagalume, há décadas fora de catálogo, é algo que nos dá um orgulho imenso. Fazer isso e auxiliar o processo de visibilidade do próprio autor é ainda mais emocionante”, registrou Jaime Filho.

Como o “primeiro cronista do carnaval no país”, Vagalume faz, em Na roda do samba, uma fascinante jornada pelo universo do samba. O livro é um verdadeiro tesouro literário e histórico para entender um dos ritmos que representa o Brasil.

O livro está em pré-venda pelo site da editora, com previsão de lançamento em 20 de novembro.

Mais sobre Vagalume

Vagalume foi um importante cronista carnavalesco do início do século XX, no Rio de Janeiro. Sua data de nascimento é incerta, provavelmente entre 1875 e 1880. Ainda muito jovem, já assinava a coluna “Reportagem da Madrugada”, no Jornal do Brasil. Acompanhava atentamente as transformações que ocorriam na capital federal e se dedicava a registrar o cotidiano dos subúrbios cariocas ainda incipientes, os distritos policiais, a rotina dos trabalhadores da noite e as rodas dos primeiros batuques daquilo que posteriormente seria reconhecido como samba.

Em 1904, Vagalume criou a coluna “Ecos Noturnos” no jornal A Tribuna, espaço no qual registrou os primeiros momentos de compositores e intérpretes como Cartola, Heitor dos Prazeres e Sinhô, antes de se tornarem ícones do samba. Seu trabalho destacava a influência africana na criação do gênero musical e marcava a transição do ritmo que começava a deixar as comunidades negras para fazer parte das rodas da classe média, integrar o repertório das rádios e os bailes dos clubes carnavalescos cariocas.

Em 1933, publicou o livro Na roda do samba, com as fotografias dos personagens dos morros do Rio e do ritmo que se tornaria a identidade do Brasil. Seu trabalho contribuiu para a consolidação do samba como elemento da cultura nacional e o reconhecimento dos artistas que estiveram em sua origem.

Francisco Guimarães morreu em janeiro de 1946.