Dois casos de censura mancharam, mais uma vez, a cena literária nacional nesta semana. Primeiro, o Núcleo Regional de Educação (NRE) de Curitiba fez circular um ofício emitido nesta segunda-feira (04) determinando o recolhimento de exemplares do livro O avesso da pele, de Jeferson Tenório. O título é um dos selecionados para o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e, como previsto, foi distribuído a escolas públicas de todo o Brasil. O avesso da pele aborda o racismo estrutural e a violência policial.

A atitude do NRE de Curitiba logo veio depois que a diretora de uma escola gaúcha publicou um vídeo criticando a obra em suas redes sociais.

O NRE justifica o recolhimento porque “determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrições de cenas de sexo utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de 18 anos”.

O outro caso abalou o Prêmio Sesc de Literatura, um dos principais certames nacionais que visam a revelação de novos talentos da literatura brasileira. O caso veio à público depois de uma matéria do Estadão.

Pela apuração do jornal, o escritor Henrique Rodrigues, curador do prêmio desde a sua criação, foi demitido pelo Departamento Nacional do Sesc, depois que diretores do Sesc Nacional se incomodaram com a leitura de um trecho do livro Outono de carne estranha, de Airton Souza.

Na última Flip, o autor, um dos vencedores da edição de 2023 do Prêmio, leu trecho do romance sobre um casal gay que vive uma história de amor proibida em um garimpo. Membros da diretoria presentes no evento teriam se sentido incomodados. Isso teria provocado a demissão de Henrique e de Luciana Salles, gerente de Cultura do Sesc Nacional.

O Sesc Nacional nega que as demissões não tiveram relação com os eventos da Flip. Mas é fato que o edital do prêmio está atrasado e, segundo o próprio Sesc Nacional, o Prêmio Sesc de Literatura passará por reestruturação.

O Grupo Editorial Record – parceiro do Prêmio Sesc de Literatura e que publica as obras ganhadoras – externalizou seu incômodo com as demissões e as mudanças. Em nota, registrou: “Diante do rumor generalizado de que o Sesc criaria uma instância de avaliação interna dos livros candidatos ao prêmio, posterior à avaliação do corpo de jurados, o Sesc não negou, de maneira cabal e pública, esta hipótese, que acreditamos que funcionaria com um filtro extraliterário e prejudicaria a lisura e liberdade de avaliação do júri”.

Em vários níveis, é lamentável que, em pleno 2024, esse tipo de censura aconteça.