Andréia Amaral é revisora e preparadora tarimbada. Além disso, foi editora-executiva dos selos Civilização Brasileira e Paz e Terra, ambos do Grupo Editorial Record. A sua trajetória a trouxe também para o Nespe, onde é professora do curso livre de Preparação e Revisão de Textos. Ela é a entrevista da semana no Happy Hour Nespe. Na conversa, ela fala dos limites da preparação e da revisão e dá dicas para quem quer começar a atuar nesta área.

Happy Hour Nespe – Os trabalhos de preparação e de revisão são fundamentais para a qualidade de uma obra, mas paira uma certa confusão entre os limites de uma função e outra. Afinal, o que é a preparação e o que é a revisão? E quais os limites entre estes dois trabalhos?

Andréia Amaral – O trabalho de preparação e o de revisão têm seus limites mais bem definidos quando consideramos a produção do livro dentro de uma editora. A primeira fase, quando o texto ainda está cru, é a de preparação, também chamada de copidesque. O profissional vai trabalhar no Word, com as marcas de revisão acionadas, e interfere mais profundamente no texto, podendo fazer sugestões que em alguns casos até mexem com a estrutura pensada pelo autor. Cabe ao preparador garantir que o texto tenha coesão, coerência, avaliar que tipo de alterações podem ser feitas para valorizar a ideia do autor. Se for um livro de não ficção, é quando se faz a checagem de fatos, a padronização do texto de acordo com as normas da editora, além, claro, da correção gramatical. No caso da ficção, o preparador deve cuidar para que a voz do autor seja respeitada, mas se certificando de que a narrativa faz sentido (por exemplo, se as características dos personagens são mantidas ao longo do livro, se tempo e espaço da narrativa estão coerentes, se alguma ponta ficou solta e o texto precisa voltar para o autor rever).

Podemos dizer que o preparador é o primeiro leitor profissional da obra, porque em geral o autor já passou o texto por outros leitores da sua confiança, mas não necessariamente por pessoas que têm o olhar treinado de um revisor. E o editor, que já pode ter lido para avaliar se contrataria o livro, fez uma leitura com a intenção de avaliar outros critérios, sem se preocupar com detalhes que serão da alçada do preparador.

Já a revisão acontece numa etapa mais adiante, quando o livro já foi diagramado, passou pela mão do designer, portanto já tem “cara” de livro. Nessa fase, o revisor não consegue interferir diretamente no texto, porque ele trabalha numa prova impressa (sim, no papel) ou num PDF, assinalando as imperfeições que precisam ser consertadas por quem diagrama o texto. O olhar aí deve estar voltado para pontos que não eram possíveis de serem vistos na etapa da preparação, como a paginação, os cabeços do livro, linhas viúvas ou órfãs, posicionamento de ilustrações, enfim, uma série de detalhes.

Quando trabalhamos diretamente para um autor independente ou fazendo revisão de textos acadêmicos (monografias, teses e dissertações), essas etapas não são tão bem definidas. Nesses casos, costumamos chamar sempre de revisão, porque é mais fácil de todo mundo entender, mas cabe ao profissional deixar claro para o cliente o tipo de serviço que vai ser prestado. Muitas vezes quem contrata acha que o revisor vai cuidar apenas de acertar vírgulas e grafias incorretas, com base no que diz a norma culta da língua, e se surpreende quando vê o grau de sugestão e a troca que se estabelece. É um trabalho de parceria com o autor.

HH – Outra questão que se discute muito é as diferenças entre ter o profissional fixo dentro da editora ou como freela. Quais as vantagens e desvantagens de cada um destes modelos?

AA – Vai depender muito do tamanho da empresa/editora, mas a tendência é que a maior parte dos revisores trabalhem como freelancers. Algumas editoras ainda conservam revisores como funcionários, principalmente em empresas que trabalham com edição de livro didático, porque a urgência dita o ritmo e o volume de trabalho é grande. Ter uma equipe de revisores internos garante que o manual da editora seja respeitado com mais rigor, que pequenas peças produzidas internamente possam ser lidas com agilidade, isso facilita o dia a dia. Mas mesmo tendo uma equipe interna, as empresas costumam manter uma lista de colaboradores externos que prestam serviço com regularidade, para quando o volume de trabalho aperta.

Para revisores, a vantagem de trabalhar com carteira assinada e um expediente com horário de início e fim é, sem dúvida, um certo conforto. Por outro lado, o trabalho como freela garante que o profissional possa fazer sua própria cartela de clientes, escolher quando e onde vai trabalhar, com a flexibilidade de nunca estar preso a só um tipo de texto ou empregador – mas sempre submetido às variações do mercado. Logo, o modelo ideal vai depender do perfil de cada profissional e de como ele prefere guiar sua carreira.

HH – Na sua história profissional, qual foi o maior desafio vivido até hoje?

AA – O meu maior desafio foi aceitar o cargo de editora-executiva numa grande editora e encarar o dia a dia repleto de decisões desafiadoras, a pressão para descobrir um original que poderia se tornar um livro de sucesso (ou ao menos que pudesse ser editado e recuperar o investimento feito), lidar com autores nacionais respeitando egos, idiossincrasias, peculiaridades… comecei como revisora, mas meu grande sonho era trabalhar com editora. Quando a oportunidade chegou, deu um frio na barriga, o medo de não corresponder às expectativas e me frustrar profissionalmente. Mas tive sempre ao meu lado profissionais incríveis e generosos. Um livro, desde a sua origem até a chegada na mão do leitor, é o resultado de um trabalho em equipe. E pra quem está produzindo, não importa se o autor é um jovem youtuber que nunca escreveu nada ou um professor universitário com obra reconhecida. Cada etapa, decisão ou detalhe precisa de sensibilidade, conhecimento, bom senso e entrega. Hoje consigo avaliar e dizer que deu certo, porque foram mais de 10 anos cuidando de autores e livros que me deram a alegria de ganhar vários prêmios Jabuti e uma boa relação com escritores que ainda hoje me procuram para conversar, trabalhar e pedir opiniões.

HH – Muitos profissionais da área dizem que o livro perfeito, sem erros, não existe. Como você lida quando percebe que deixou passar um pequeno detalhe numa revisão?

AA – Até hoje, é muito difícil admitir que um erro passou. É quando a gente se sente exposto. A experiência ajuda a criar métodos para evitar que isso aconteça, mas não há revisor infalível, principalmente quando se está revisando um livro bom (a gente vai se envolvendo e fica cada vez mais difícil separar o olhar profissional da leitura curiosa e prazerosa). Uma coisa é certa: depois do livro pronto, a gente abre justamente na página em que o erro aconteceu. E ele salta aos olhos, zomba da gente! Mas sempre digo que não podemos nos deixar desanimar por conta dessas ocorrências. E por isso a importância de sempre haver mais de um revisor na linha de produção, porque o trabalho colaborativo ajuda a minimizar os erros.

HH – Quais são suas dicas para quem está querendo começar neste trabalho?

AA – Leia muito, para entender os diferentes tipos de texto, de narrativas, de possibilidades.

Tenha a gramática como sua aliada, mas saiba a importância de subvertê-la quando necessário, para tornar o texto palatável, real, agradável para o leitor e condizente com a mensagem que precisa ser passada.

Fique atento às novidades, hoje em dia há vários cursos para formação de revisores, o que é uma coisa recente (recomendo o do Nespe!). Tire proveito disso, porque os cursos ajudam a fazer networking, aprender o jargão da área e dão a oportunidade de ter contato com profissionais que estão atuando no mercado.

Mas, principalmente: comece! Vejo muita gente estudando, lendo e esperando estar pronto para começar a pegar trabalho. Ninguém estará completamente pronto! A língua é viva, a gente precisa estar sempre se atualizando, e o aprendizado é contínuo, se faz também a partir da prática. Então, faça o que estiver ao seu alcance para se profissionalizar, mas não tenha medo de começar.